O lado positivo de uma crise

O lado positivo de uma crise


 "Eu sou competente o suficiente para saber o caminho que devo seguir; para onde devo direcionar os meus negócios”

O empresário, o dirigente de uma organização, de uma empresa, ou a dona de casa, são pessoas normalmente tidas como capazes para gerir aquilo que está sob a sua responsabilidade. Entretanto, algumas vezes surgem umas “marolinhas” no meio do caminho e aí essas pessoas percebem que muitas vezes não são tudólogos; aquelas pessoas que se acham capazes de resolver todos os problemas, acham-se capazes de conhecer todas as coisas, ou seja, são pessoas dotadas de conhecimentos tão vastos, que não percebem qualquer risco à frente.
 
Assim, as coisas começam a ficar complicadas! Ninguém é capaz de dominar todos os conhecimentos; não se pode acreditar que alguém tenha uma capacidade superior à de todos os outros, em tudo. Se esse é o seu caso, recomendo que faça uma reavaliação. Desconfie dos super-heróis fora das histórias em quadrinhos.
 
Nos tempos bicudos que vivemos recentemente, tão logo o Presidente brasileiro decretou que havia no horizonte uma “marolinha”, ou que “a crise norte americana não havia atravessado o Atlântico” (?), muitos empresários e dirigentes de empresas tomaram conhecimento de que o gerenciamento de um negócio requer muito mais capacidade de gestão. É preciso ter em sua empresa um conjunto de requisitos: contar com pessoas capacitadas e preparadas para enfrentar as adversidades; com uma boa e prudente gestão das políticas comercial, industrial, financeira e de recursos humanos, a fim de ter instrumentos gerenciais adequados e plenamente capazes de fornecer aos tomadores de decisões as informações necessárias. É mais que ter números, ter pessoas de confiança, ter boas relações, é preciso saber usar de forma consciente e técnica tudo que está ao seu alcance. Enfim, é preciso agir!
 
Não é possível que se abra mão de alguns instrumentos minimamente indispensáveis para que a empresa não sofra com as adversidades às quais são submetidas, minuto a minuto, dia a dia, marola a marola. Quem não estiver atento aos sinais que aparecem a todos os instantes, deve começar a ficar preocupado com a qualidade da gestão. Não é preciso ser paranóico com tudo, basta ter sensibilidade para entender o mundo que o cerca, ler atentamente e com muita perspicácia o que dizem as informações que lhe chegam aos montes à mesa.
 
Infelizmente, por ter absoluta confiança em si próprios, nas suas crenças, nos seus “achismos” e em todos os deuses e santos do universo, empresas e empresários abrem mão de ter em suas empresas, políticas saudáveis, não praticam a transparência nas relações com os stakeholders: com acionistas, com fornecedores, com bancos, com funcionários, não são adeptos do cumprimento de obrigações (pagar os impostos, por exemplo, para alguns é um absurdo), dentre outras tantas.
 
O culto às boas práticas de governança corporativa nas empresas precisa ser incentivado ou exigido pelos mercados, por clientes e por fornecedores.
 
Eu quero dizer que boas práticas de governança não se limitam a ser transparentes, prestar contas de suas práticas contábeis, e dar equidade aos sócios. Essas práticas precisam ser muito mais amplas, precisam ser mais sensíveis do que simplesmente o que demonstram os números dos balanços, dos imensos e enfadonhos relatórios da administração.
 
Que tal avançar em avaliações sobre o clima organizacional, indicadores de desempenho na relação cliente-fornecedor, indicadores de aceitação dos produtos, grau de competitividade, responsabilidade social e muitas outras práticas que pouco ou quase nada aparecem nos balanços ou são contadas por quem faz um bom filtro na geração das informações.
 
É muito importante, para empresas que queiram ser saudáveis, a busca de boas práticas que convençam fornecedores, clientes, acionistas ou sócios, aos poderes públicos, aos funcionários, enfim a todos que se relacionam com elas. Assim, é importante dar uma boa olhada em algumas políticas e avaliar se determinados pontos estão realmente de acordo com o que os relatórios dizem, por exemplo:
  
De recursos humanos: 
  •  Pessoas altamente envolvidas com os negócios;
  •  Pessoas treinadas e tecnicamente capacitadas para o exercício de suas atividades;
  •  Política de remuneração adequada ao mercado;
  •  Política de atração e retenção dos melhores profissionais do mercado – a empresa precisa ficar muito feliz   quando o concorrente quiser atrair os seus funcionários, é um sinal de que ela tem melhores recursos humanos que a concorrente;
  • Uma política de distribuição de resultados agressiva, no entanto, sem distribuir o que não foi gerado. Não se admite a distribuição de lucros e resultados se a empresa não gerou lucro; ela estará distribuindo o capital dos acionistas;
  • Ter um ambiente saudável, porém minimamente competitivo;
  • Ter pessoas felizes.
De inovação:
Investir o necessário para estar na vanguarda da inovação de produtos; ser uma referência em seu mercado.
 
De solidez financeira:
 “É mais importante para uma empresa ter crédito e muito menos dinheiro em caixa”. Essa é uma meia verdade, porque ter crédito é importante e necessário para o funcionamento dos mercados, entretanto, a chave do cofre não é controlada pela empresa. Assim, ele poderá não ser aberto quando necessário e a empresa será levada a correr riscos não controláveis por ela. É preciso pensar muito para se contar com o dinheiro que está no bolso dos outros.
 
De qualidade:
Ninguém está isento de uma falha no processo de produção, entretanto, nada, absolutamente nada, poderá substituir a certeza que um cliente tem sobre a qualidade do produto da sua empresa, e quando por algum motivo ocorrer uma falha, será necessário antecipar-se e jamais permita que isso vire um problema para o cliente, afinal o problema é da sua empresa e o seu cliente não poderá ser envolvido no seu problema: ele é quem paga a sua conta e lhe garante a perpetuação do negócio. Lembre-se: não existe empresa sem cliente.
 
De transparência nas relações:
Não se constrói relações saudáveis quando paira sobre uma das partes alguma insegurança. Assim, praticar a transparência não é escrever isso em um belo quadro e pendurar nas paredes como sendo um dos princípios da empresa. Essa prática deve ser cotidiana. Cumpra tudo que for prometido a terceiros, jamais gere qualquer surpresa. Busque antecipar-se quando houver dúvida no cumprimento de algum compromisso, por mais simples que seja, desde uma reunião de menor importância até um pagamento de fornecimento, avise-o antecipadamente. O nome da regra é previsibilidade.
 
Da produtividade:
Nos dias de hoje é de suma importância que a empresa tenha um foco muito bem definido em produtividade, pois esse será o menor caminho para a busca de espaço no mercado.
Às vezes busca-se na política de preços a compensação para a perda de produtividade da empresa, sacrificam com isso a margem de contribuição dos produtos e comprometendo a capacidade de investimento da empresa. Quando o problema está “da porteira da fábrica para dentro”, basta que haja um pouco de desprendimento e desapego aos dogmas para se encontrar outros métodos de produção, novos equipamentos, novas práticas. Há no mercado muitas empresas especializadas, que contribuem de forma decisiva para uma mudança importante nessas práticas.
  
Esse desafio da produtividade não pode ser um desejo de empresários e executivos bem intencionados. É preciso planejamento, ação e muito suor. Mas nada disso cai do céu, há técnicas e gente altamente especializada no mercado que faz isso de forma muito pragmática e com muito sucesso. Não basta ter um bom discurso e vender bem a intenção, é preciso acima de tudo, agir.
 
Normalmente, as empresas têm bons produtos, tem uma boa comunicação e muitas vezes se esquecem que para a roda girar de forma consistente é preciso muito mais. Os pilares de sustentação de qualquer negócio passam por algumas funções básicas, que estão presentes em qualquer empresa, de qualquer tamanho, de qualquer segmento de mercado; desde a padaria da esquina à grande corporação, que são:
 

1.     Função de Produção;

2.     Função de Vendas;

3.     Função Administrativa.

 
Essas três funções são desdobradas em muitas outras: Fabricação, Compras, Marketing, Logística, Administração de vendas, Relações com clientes, Tecnologia, Finanças, Recursos Humanos, Controladoria, Relações com acionistas e muitas outras que variam de uma empresa para outra, mas o básico consiste em: Vender, Fabricar, Entregar e Gerar Lucros - e o ciclo se repete.
 
Acontece que em muitas empresas é comum que essas funções não sejam, de alguma forma, percebidas internamente. Muitas vezes não se comunica adequadamente a todos os envolvidos com as operações de que o fim principal de qualquer organização empresarial passa de forma muito simplificada por essas funções.
 
Bom, o leitor poderá perguntar: E quando devo fazer isso?
A resposta é muito simples: sempre. Entretanto, muitas empresas se deparam algumas vezes com uma crise, quando, normalmente, se põem à caça dos culpados. Uma atitude incoerente, porque não há culpados, mas sim falta de gestão, falta de organização dos processos, falta de visão estratégica.
 
Toda crise é um bom remédio, e, como tal, age de formas distintas para diferentes pacientes; tudo depende da reação do organismo de cada um – nesse caso de cada empresa.
 
Vejamos: no Brasil - quem não se lembra do festival de empresas que abriram o capital nos últimos três anos - os famosos IPO’s; da enxurrada de compra de terrenos pelas construtoras; dos Ativos Tóxicos dos bancos norte-americanos e da avalanche de outras medidas adotadas por muitas outras empresas – como os bônus concedidos aos executivos, sem uma reflexão sobre o que faziam, sem um adequado instrumento de Governança Corporativa, sem instrumentos internos de alerta, que lhes permitissem parar em algum momento para uma avaliação mais serena sobre suas decisões.
 
Aqui eu gostaria de chamar a atenção dos Conselhos de Administração, dos executivos-estrelas, que se preocupam muito mais com os holofotes, com as capas das revistas de negócios, do que com os próprios negócios que gerenciam. Onde estavam esses profissionais? O que faziam? Provavelmente muito mais preocupados com as questões internas de suas relações individuais, com a proteção dos seus espaços dentro das corporações do que com a gestão dos negócios a eles confiados. Ou em muitos outros casos com os seus próprios negócios; muitas vezes conflitantes com os interesses das organizações que gerenciam.
 
Recentemente, em uma reunião com um empresário que sofria do mal do sucesso do passado, quando discutíamos a separação das obrigações de uma pessoa jurídica e as da pessoa física, eu mostrei a ele a relação entre essas duas pessoas, deixando claro que os donos da empresa, num processo de falência, são perdedores tanto quanto os seus credores. Entretanto, não é fácil para a pessoa física separar as responsabilidades individuais das da empresa, afinal ele é o dono da empresa, ele é o chefe. E é exatamente por isso que as coisas em algum momento vão se complicar. Os bens da empresa não são só do dono, do acionista majoritário; são dos fornecedores, dos bancos, dos funcionários, dos poderes públicos, afinal todos são credores da empresa; ou alguém pode imaginar uma empresa sem qualquer passivo!
 
Voltemos a falar da marolinha.
 
É verdade que as crises trazem muitos benefícios para quem sobreviveu; isso é um clichê, mas é assim mesmo. As empresas ficam mais fortes, melhoram a gestão e evidentemente passam a prestar muita atenção aos sinais exteriores.
 
Entretanto, devemos anotar alguns pontos sobre o processo de entrada de uma empresa em crise. Na realidade toda organização, seja empresarial, ou de outra natureza, tem os seus ciclos: nascimento, crescimento, estabilidade, declínio e, às vezes, a morte. O declínio e a morte podem ser retardados ou evitados, afinal a empresa não tem a mesma dinâmica dos seres vivos, apesar de ser um organismo dinâmico.
 
Nenhuma crise pode surpreender a empresa, pelo fato de ser obrigação destas estarem sempre preparadas para momentos difíceis, momentos que elas não controlam. Assim, é de fundamental importância a observação de alguns aspectos, sem os quais a empresa poderá ser surpreendida. Dentre eles cito:
 
Gestão:
Em qualquer momento, seja de crise ou bonança, é obrigação dos gestores de uma empresa atentar para os aspectos mais básicos do gerenciamento dos negócios, desde os cuidados com as pessoas, com a tecnologia, com as relações internas, das relações com os bancos, com fornecedores, até com o paisagismo de entrada da empresa, dentre outros, mas quero chamar a atenção para um aspecto que é crucial para qualquer momento: o fluxo de caixa. Sem dinheiro não se vai muito longe, e, além disso, pode-se comprometer as operações e em grau maior a continuidade da empresa. Só para ilustrar: devemos observar os eventos recentes com empresas brasileiras e muitas estrangeiras, as que se envolveram com os chamados “ativos tóxicos”. Aqueles ilustres executivos festejados nas capas das revistas, em eventos nos grandes hotéis de luxo, como sendo os donos da razão, acabaram envolvidos em operações financeiras pouco recomendáveis para um bom gestor de tesouraria, que tem como finalidade básica a garantia das operações dos negócios da empresa.
Assim, é preciso ser prudente, ser ágil, construir relações transparentes e saudáveis com o mercado financeiro, afinal ele é um dos grandes fornecedores da empresa.
 
Uma provocação: peça para o gestor da área financeira da sua empresa o fluxo de caixa dos próximos trinta dias, com abertura diária; dos próximos doze meses com abertura mensal e dos próximos cinco anos, com abertura semestral. Se ele não lhe apresentar pelo menos os dois primeiros imediatamente, fique muito preocupado, você tem um problema muito sério.
Outra provocação: você conhece com profundidade o mapa de riscos do seu negócio: potenciais entrantes no seu mercado, estratégias dos concorrentes, o potencial de crescimento do seu mercado para os próximos cinco anos, a saúde dos seus fornecedores, o potencial futuro presidente da sua empresa (isso demonstra o quão previsível é a estrutura de poder interno), dentre outros dados estratégicos do seu negócio?
 
Nenhuma empresa jamais deverá descuidar-se dos sinais que aparecem a todos os instantes e que são vistos a olhos nus, tais como os abaixo citados: exemplos: 
  • Clima interno tenso, com muitos conflitos ou excesso de grupinhos de amigos – os feudos;
  • Cancelamento de investimentos em ampliação de capacidade;
  • Queda no investimento em novos produtos;
  •  Perda de clientes;
  •  Perdas na produção;
  •  Perda de rentabilidade;
  •  Elevado grau de endividamento;
    - Os bancos começam a pedir muito detalhamento dos dados contábeis;
    - Elevação do custo de captação de recursos;
    - Exigência de mais garantia, além das usuais.
  •  Conflito no time de dirigentes, que pode ser ilustrado com o provérbio: “Em casa que falta pão, todos brigam sem razão”.
São sinais de começo de problemas e aí deve aparecer o líder para pôr um pouco de ordem na casa. O mundo dos negócios não é para os fracos; ele exige demasiadamente das pessoas.
 
Em vários momentos deste artigo eu falei de gestão. O que é gestão? É muito simples: uma definição sem qualquer compromisso com didática ou academicismo: é cuidar bem daquilo que lhe foi delegado, é prosperar, é atender as necessidades de acionistas, de clientes, de fornecedores, dos funcionários, por fim é saber que um negócio tem como uma das finalidades ser rentável e buscar a perpetuação, para isso é preciso cuidar de cada detalhe com absoluta dedicação, é fazer o que você gosta, cercar-se de uma equipe altamente comprometida e com foco definido, e todos devem seguir na mesma direção. Parece simples, mas é assim mesmo, basta ter discernimento, aplicar a técnica adequada, ter as pessoas tecnicamente capacitadas, atitude, e muita capacidade de trabalho para que as peças complexas sejam encaixadas cada uma em seu lugar. Por último, acredite nas pessoas e tenha valores muito bem definidos, não precisa escrevê-los, todos logo os perceberão.
 
Assim, se você se encaixa no perfil da primeira frase deste artigo, é prudente que faça uma reavaliação de sua forma de agir, de sua forma de enxergar o mundo corporativo, ou de gerir os seus negócios. O mundo dos negócios é uma teia, na qual não se vive só.

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Adalmir Sampaio Gomes - Administrador de Empresas, com MBA pela FIA/USP, exerceu cargos executivos em grandes organizações nacionais e estrangeiras. Atualmente é sócio da Flexus Consultoria em Negócios –www.flexusconsultoria.com.br

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